segunda-feira, 20 de junho de 2011

Informativo - 20 jun 2011


Os gays nas telas do cinema
Jornalista brasileiro lança livro no qual revê produções do cinema mundial com personagens homossexuais e bissexuais. São mais de 270 produzidos entre o fim de década de 40 até 2009

Por Danilo Casaletti


Faça uma lista com dez filmes com temática gay. Tudo bem. Pode ser com cinco: A gaiola das loucas, Filadélfia, Milk, O segredo de Brokeback Mountain e Shelter. Todos esses são mais batidos e com bilheterias significativas. Foi justamente da vontade de sair do óbvio que o jornalista paulistano Stevan Lekitsch lançou o livro Cine arco-íris – 100 anos de cinema LGBT nas telas brasileiras (Edições GLS – 272 páginas, R$ 65,90).

O critério para um filme ganhar uma resenha na publicação era ter um personagem gay, lésbico, bissexual ou transexual. Por isso, aparecem produções que não saíram com o “selo gay” de fábrica ou cujas temáticas não giram especificamente em torno do tema, como Instinto selvagem (a personagem de Sharon Stone transa com meninas), Carandiru (relata a relação entre uma travesti e um presidiário) e Cazuza – O tempo não para (mostra a bissexualidade do poeta e cantor). São mais de 270 filmes desde o começo do cinema até 2009. Lekitsch, que também é formado em Cinema, afirma ter assistido a todas as produções. “Conhecia apenas 50%. O resto eu fui atrás por meio de pesquisas e consultando coleções de amigos”, diz.

Há também, nas páginas finais do livro, engraçadas especulações sobre algumas cenas do cinema mundial, as quais o autor diz ter uma “aura cor de rosa”. Entre as suspeitas de Lekitsch estão os figurinos cheios de brilho e babados de Entrevista com o vampiro e as cenas de vestiários e um jogo de vôlei onde estão todos sem camisa de Top Gun – ases indomáveis.
Em entrevista a ÉPOCA, Stevan Lekitsch falou sobre a importância da divulgação de filmes com temática LGBT para ajudar a diminuir o preconceito. “Quanto mais você fala no assunto, mais as pessoas ficam acostumadas com ele. Acaba virando banal”, diz. Lekitsch, que é ativista gay e participou de todas as edições da Parada Gay da cidade de São Paulo(a deste ano será no dia 26 de junho), diz que os homossexuais devem se organizar para exigir seus direitos. “Os gays são desunidos politicamente. Falta articulação para fazer pressão”, diz.
ÉPOCA - Qual foi o critério que você usou? Muitos dos filmes que você listou não receberam a classificação propriamente de “gays”...
Stevan Lekitsch –
A temática tinha que girar em torno das quatro letras (LGBT). Há também algumas curiosidades que reuni, como filmes que têm diretores e elencos gays. Por exemplo, eu cito Festim diabólico (Alfred Hitchcock, 1948), que apesar de ter sido baseado na história real de um casal gay, no filme, esse “detalhe” foi sublimado.
ÉPOCA - No livro, você cita Instinto Selvagem, por causa do envolvimento que a personagem de Sharon Stone tem com mulheres. Muitos espectadores talvez nunca tenham feita essa associação. Você acha que o público tolera mais cenas entre duas mulheres do que entre dois homens?
Stevan
– Com certeza. É um fetiche masculino. Todo o homem que eu conheço tem essa curiosidade de ver ou de participar de uma transa com duas mulheres. Nem homens e nem mulheres têm interesse em ver dois homens juntos. É uma herança cultural da nossa sociedade.
ÉPOCA - No cinema brasileiro dos anos 70 e 80, nas famosas “pornochanchadas” eram muito comuns personagens gays ou bissexuais. Os atores sempre fizeram esse tipo de cena. Atualmente, parece que isso causa mais repercussão, como, por exemplo, o beijo de Rodrigo Santoro e Gero Camilo em Carandiru (2003). Por que isso acontece?
Stevan –
São mudanças de valores. Na década de 70, era tudo muito liberal. Era o fim da repressão sexual. Todo mundo era de todo mundo. Outro fator importante é que, antes, o acesso a esses filmes era mais difícil. Depois, veio uma questão meio moralista. A moral começou a ser consertada. Alguns atores ficaram com certo receio de suas carreiras serem prejudicadas. Em Hollywood isso também aconteceu. Tom Hanks exitou em aceitar o papel de um homossexual em Filadélfia (1993). Depois que viram que isso não afeta em nada a carreira, grandes atores começaram a aceitar personagens gays. É o que está acontecendo atualmente nas novelas brasileiras.
ÉPOCA – Mas o beijo gay masculino nas novelas ainda é tabu...
Stevan –
É, mas acho que, em breve, teremos surpresas. O assunto está em pauta. Não vai demorar muito.
ÉPOCA - Você acha importante a TV aberta exibir filmes como O segredo de Brokeback Mountain, Carandiru, Filadélfia?
Stevan –
Com certeza. Quanto mais você fala no assunto, mais as pessoas ficam acostumadas com ele. Fazendo um paralelo bem ruim, é a mesma coisa quando os programas mostram a violência exaustivamente. As pessoas acabam se acostumando com ela. Fica normal, banal. Para mim, esse é o caminho. Para isso, é preciso passar pelo processo da escandalização.
ÉPOCA – É esse processo que estamos vivendo atualmente?
Stevan –
Acho que estamos no fim da fase de escandalização. Daqui a pouco vira normal.
ÉPOCA - Galã de cinema pode ser assumidamente gay? Por que ainda existe esse tabu por parte deles?
Stevan –
Lá fora, muitos atores já “saíram do armário” (assumiram-se). Aqui ainda é complicado. Ninguém quer se assumir. A própria mídia faz uma pressão para que isso não aconteça.
ÉPOCA - Alguns filmes com temática LGBT ficam restritos a alguns circuitos ou cinemas mais alternativos. Mesmo a decisão final de assistir sendo do espectador, os exibidores têm certo preconceito com relação a filmes com essa temática?
Stevan -
A questão é mais comercial. Quando eles sabem que o filme é direcionado a um público mais específico, eles colocam em menos salas. Com O Segredo de Brokeback Mountain, aconteceu o seguinte: ele começou em poucas salas e virou um sucesso. Aí, sim, foi exibido em mais lugares. É preciso também divulgar mais os filmes gays. Tem público para isso.
ÉPOCA – O segredo de Brokeback Mountain acabou virando um símbolo para os gays?
Stevan –
Virou um exemplo porque é o sonho de todo o gay encontrar um cara másculo, inteligente. Todo mundo quer arranjar um Heath Ledger na vida. Mas acho um filme meio complicado. De certa forma, ele passa um mau exemplo. Fala de um homem casado que trai a mulher com um outro homem. Sabemos que isso acontece, mas o filme confunde quem está tentando entender algo. Imagina que um cara que é casado, que está em dúvida, vai pensar se ele deve manter a vida que leva ou arrumar uma casinha na montanha para encontrar com seu amante. Não é esse o caminho.
ÉPOCA - Este ano a Parada Gay de São Paulo acontece em meio à aprovação da união estável, mas também de uma onda de homofobia manifestada por políticos e líderes religiosos. Você acha que há mais motivos para comemorar ou protestar?
Stevan –
Temos muitos há comemorar. Por incrível que pareça, o Brasil é um dos países mais avançados no que diz respeito aos direitos e à proteção dos homossexuais. O país também tem um dos melhores programas de prevenção da aids. Porém, temos muito a consertar. No Brasil, dois homossexuais são assassinados por dia. O projeto de criminalização da homofobia precisa ser aprovado. Não podemos descansar. Os gays não sabem fazer pressão para esses assuntos.
ÉPOCA - A Parada muitas vezes é vista apenas como uma grande festa. Não acha que está na hora de resultados concretos?
Stevan –
Juntar cinco milhões de pessoas para fazer uma festa a gente consegue, mas juntar cinco milhões para exigir a aprovação de uma lei a gente não consegue. É uma questão de união. Os gays são desunidos politicamente. Falta articulação para fazer pressão. A bancada evangélica é muito bem articulada. Eles conseguem eleger quem eles querem. Os gays precisam marcar seu território também na política.

Fonte: http://revistaepoca.globo.com

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