Educação Sexual
Responsabilidade de quem?
Por Carolina Freitas
Educação sexual tem sido tema recorrente em conversar familiares, rodas de amigos, reuniões escolares, atendimentos psicológicos e psicopedagógicos, artigos publicados em jornais e revistas, seminários, programas de televisão... Uma das intenções de tantos encontros e desencontros é buscar a responsabilidade pela ‘assustadora’ educação sexual.
Educação é a formação de conceitos e de valores através da transmissão de conhecimentos. Ela é construída concomitantemente à história de vida do indivíduo - desde o nascimento da criança, o que a liga diretamente à estrutura de personalidade; passando pelo grupo familiar – que determina algumas características, sendo que estas surgem de acordo com as interpretações dos pais às experiências do indivíduo; e depois no social – onde o indivíduo “testa” seus conhecimentos. É um processo de construção mente-corpo que visa o equilíbrio.
No processo educacional o ensinante permite a busca de conhecimento do aprendente e entrega os seus conhecimentos, permitindo a este simbolizar, guardar, mostrar e ressignificar seus conhecimentos. Juntos eles constroem a aprendizagem. E para que esta aprendizagem ocorra o ensinante deve ter algumas características, tais como: ser bem informado, respeitar o aprendente, transmitir confiança, ser aberto ao diálogo, entre outros.
Sendo assim, o objetivo de toda educação deve ser a formação do indivíduo, devendo sempre gerar conscientização, liberdade e equilíbrio pessoal, propiciando qualidade de vida.
Ao se discutir a necessidade da Educação Sexual nos deparamos com argumentos contra esta ação através de uma total negação não só da necessidade da educação sexual como da própria existência da sexualidade e/ou de uma negação camuflada por argumentos falsos, indiretos e/ou diretos, que são os que aceitam, mas não promovem a educação sexual. E, também, com os argumentos a favor: de ordem psicológica, social, clínica, educacional e profissional.
No meio a tanta discussão sexual observamos a movimentação da educação sexual do âmbito repressivo para o permissivo.
Saímos do modelo tradicional (repressivo) no qual a palavra chave é proibição, nada pode tudo é permeado pelo dualismo entre o bem (certo) e o mau (errado). Tem uma forte base na força moral, religiosa e cultural. A reprodução (gerar descendentes) é o objetivo único da sexualidade, existindo toda uma orientação fisiológica para isto. Sendo, então, a única função feminina a de reprodutora. A atividade sexual é considerada suja, pecado, doença, o que favorece a obsessão, pois não se fala sobre mas se faz escondido.
Agora, nos encontramos no modelo permissivo no qual tudo é permitido. Há uma postura de oposição, mas não de conscientização da sexualidade. Mudam-se as atitudes e comportamentos, mas ninguém sabe o porquê. As palavras-chave são erótico, corpo e orgasmo.
Com a atuante permissividade sexual não sabemos quem esclarecerá às crianças e adolescentes as freqüentes dúvidas sobre o que estão sentindo e vivenciando e a que estão expostos no dia a dia através da mídia.
De que forma acreditamos estar educando quando na verdade estamos reproduzindo um modelo preexistente, ou seja, deseducando sexualmente?
A atual educação sexual aborda dois principais pontos: informações biológicas (reprodução, gestação, menstruação, órgãos sexuais...) e as normas, moral e juízos de valor.
Dentro deste contexto, mostra que a religião vem dominando a educação sexual, tratando a sexualidade pelo binômio puro – impuro, no qual a sexualidade pura seria aquela consolidada pelo matrimônio. Nesta linha de pensamento segue, então, a dessexualização do indivíduo, através da deseducação sexual e da repressão. Já que a educação sexual é a reflexão sobre liberdade, responsabilidade, moral, afetividade, prazer e comunicação.
Pode-se perceber a dificuldade dos adultos em aceitar que a sexualidade não se inicia com a vida adulta, faz parte da construção da aprendizagem humana, é o processo que possibilita a plena formação do indivíduo como indivíduo pleno. É um processo de desenvolvimento psicossexual (desenvolvimento físico, emocional, intelectual e sexual) que se dá desde a concepção do indivíduo.
É também difícil o adulto aceitar que ele tem de rever a sua própria sexualidade para poder ensiná-la, pois ser educador sexual não é reprimir a sexualidade do educando, mas sim proporcionar-lhe meios de exercer sua sexualidade sem medo e sem culpa.
E quem seriam os outros educadores sexuais e de que forma vêm atuando?
A Família está envolvida neste processo desde a concepção e deve iniciar o processo de educação sexual desde o nascimento da criança. Sendo, então, de responsabilidade primária da família a processo de educação sexual, devendo depois ser articulado com a escola e assessorado por esta, já que por ter a função de formadora, a escola deveria saber como continuar esta educação sexual da forma a desenvolver um indivíduo saudável.
Os pais ensinam os filhos os valores sexuais da família, mantendo a tradição e gerando nos filhos dois sentimentos, o amor e o medo. Podemos, assim, distinguir duas funções da família na educação sexual: a repressão da sexualidade dos filhos e a manutenção do modelo ideal de comportamento sexual. Sendo que este modelo visa a aprovação social e segurança financeira (casamento) em detrimento do prazer e do amor.
A Escola tem, evidente, a tendência de preservar a si mesma, seus métodos e normas vigentes, não valorizando o novo nem o diferente e não ensinando nada que provoque mudanças. Sua educação sexual é orientada para formação da família e remoção dos desejos. No dia a dia ela desqualifica a sexualidade e tolhe os comportamentos sexuais. Daí a sua denominação: dessexualizada e dessexualizante.
Instala-se aí o ciclo de transferência da responsabilidade, no qual a família responsabiliza a escola e vice-versa e, ambas responsabilizam terceiros pela educação sexual. O papel da família e da escola parece que vem sendo o de ‘ensinar’ a reproduz o modelo; nunca repensar os modelos, o que levaria à mudança, inclusive na educação sexual.
Um outro educador seria a poderosa mídia, que dita preconceitos e valores. Sendo a mídia a mais moderna babá eletrônica que ‘educa’ a todos apresenta, na grande maioria dos programas, apelo sexual, incitação à violência e ridicularização da pessoa, principalmente em horário impróprio para exibição. O que também não promove a crítica ao modelo, somente a reprodução do mesmo.
Os educadores devem, então, se questionar: será que o que falamos condiz com o que fazemos e acreditamos sexualmente?
Muitas vezes aceitamos conceitos preconcebidos a fim de mantermos a tradição da educação sexual. E, como a um hábito, nos acostumamos à repressão e conseqüentemente a não realização de nossos desejos, reproduzindo o modelo. E a reprodução sufoca a sexualidade transformando-a em genitalidade (sexo pela reprodução), o que como conseqüência se converte em uma vivência efêmera.
O excesso de modelos, conceitos e métodos de educação sexual, porém não soluciona este problema nem dá alternativas para iniciar o movimento de mudança.
Os educadores sexuais devem se questionar e avaliar para não incorrerem no erro de chamar de educação sexual o que na verdade é deseducação e, além de ter aceitado, continuar reproduzindo seus conceitos.
Na verdade, somos todos responsáveis pela educação sexual. Os educadores, formais ou não, devem se policiar sobre o trabalho que vem sendo feito, pois devemos todos nos preocupar com o desenvolvimento saudável e a qualidade de vida de nossas crianças e adolescentes.
Lembrando, sempre, que os objetivos da sexualidade são reprodução, prazer e comunicação. E, acreditar que a educação sexual seja a principal forma de promover mudança de atitude, sendo esta da responsabilidade de todos.
Podemos assim concluir que a educação sexual é um desafio é que para isto deve haver envolvimento, conhecimento, ética e espontaneidade. E que o educador deve ter claro os valores fundamentais de respeito, amor e saúde. Deve ser acolhedor; saber ouvir; ambientar os questionamentos, ou seja, se certificar qual é o questionamento para não subestimar nem superestimar a criança ou o adolescente; ser neutro quanto a seus próprios valores, para não desconsiderar nem desrespeitar o outro e trabalhar a própria sexualidade.
Leitura Complementar:
BERNARDI, Marcello. A deseducação sexual. São Paulo: Summus Editorial, 1985.
CHAUÍ, Marilena. Repressão Sexual. São Paulo: Editora Brasiliense, 1984.
MARTÍNEZ, Tomás Priego e PASCUAL, Cosme Puerto. Compreender a sexualidade – Para uma orientação integral. São Paulo: Paulinas, 1998.
MARTINI, Nicola de. Sexualidade Perguntas e Respostas. Petrópolis: Editora Vozes, 1995.
SANTOS, Claudiene e BRUNS, Maria Alves de Toledo. A educação sexual pede espaço. São Paulo: Omega editora, 2000.
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