Castos em nome de Deus
Em uma
sociedade de sexualidade aflorada, o celibato não é uma opção simples. Um grupo
de jovens, porém, acredita na virtude de se guardar até o casamento
Rafael Campos
A
estudante Jéssica Rocha, 21 anos, namora há três. Sonha com um matrimônio
envolto em todos os pormenores que antecedem o "sim" e, como
representação da sua castidade, vestirá branco ao subir no altar. "Antes
mesmo de começar a namorar, eu e ele decidimos assumir o compromisso de que só
iríamos ter relações sexuais depois do casamento. E estamos esperando
isso", explica. O irmão, Thomas Rocha, 15, segue o mesmo caminho e, mesmo
sem namorada, quer encontrar na mulher da sua vida, alguém que entenda e compartilhe
da sua escolha de aguardar a troca de alianças para experimentar o sexo.
"Me inspiro nos meus pais, que também se casaram virgens: se deu certo
para eles, por que não daria para mim?", questiona.
Os irmãos cresceram em uma família na qual a
castidade é um valor fundamental. E, mesmo a liberdade sexual sendo uma
característica tão disseminada na contemporaneidade, conseguiram encontrar
pessoas que compartilham do mesmo pensamento. Os dois fazem parte do "Eu
escolhi esperar", um grupo ecumênico formado por jovens que se abstêm do
sexo até o casamento.
A comunidade conta hoje com mais de 128 mil
seguidores no Twitter e 638 mil fãs no Facebook. "Acredito que essa espera
vai fazer com que eu conheça mais ainda o meu companheiro. Eu assumi essa
vontade e sigo os princípios religiosos que a definem", declara Jéssica. O
criador da iniciativa, Nelson Júnior, 35 anos, casou-se virgem, há 14, e hoje
tem duas filhas. É teólogo e trabalha com adolescentes há 20 anos.
Para ele, a liberdade sexual deu margem a comportamentos
que geram consequências graves, como o aumento dos casos de gravidez na
puberdade. De acordo com os últimos dados do Ministério da Saúde, 20% das
crianças nascidas no país são filhas de menores de idade. Nelson acredita que,
em nome da liberdade, ocorrem muitas distorções, como o desenvolvimento precoce
da sexualidade. "Se existem tantas campanhas e movimentos pela vida,
contra o câncer, contra as drogas e o racismo, por que não há uma campanha para
fortalecer essa turma? Foi assim que começamos essa mobilização", lembra.
Nelson usa a expressão "esperar no
Senhor" para explicar o sentido da decisão baseada em preceitos
religiosos, e acredita que, ao restabelecer os valores bíblicos, promove um
plano que visa garantir casamentos duradouros. Para a psicóloga Juliana Borges
Fiúza, especialista em sexualidade, a mudança no significado da virgindade é
reflexo de uma sociedade que debate mais abertamente a questão. Antes, a mulher
se mantinha virgem como forma de submissão ao futuro marido. Em contraponto, os
homens eram estimulados a transar cedo — muitas vezes, eram levados a
prostíbulos pelos próprios pais.
"Os integrantes do movimento "Eu escolhi
esperar" não negam o sexo, mas o colocam em um lugar que o transforma num
presente divino. A virgindade, antes, tinha outro significado. Hoje, a
manutenção dela causa choque justamente por estarmos inseridos em uma realidade
que estimula o sexo", analisa a psicóloga. Juliana acredita que essa opção
pode ser saudável, desde que não seja uma imposição.
Como era de se esperar, os adeptos se mostram
convictos da escolha. O estudante André Tarão, 27 anos, mantém seu voto há uma
década. "Deus fez o sexo para o ser humano: para a diversão, para a
procriação. Talvez por ele ser tão bom, acabe supervalorizado e, assim, muitos
precipitam as coisas. Não quero viver apenas uma experiência que não vai fazer
diferença", justifica. E emenda: "O que queremos, no casamento, é
restaurar o ideal de família. Na minha geração, dentro e fora da igreja, há
muitos lares desfeitos. Talvez, nem tudo seja por conta de fazer sexo antes da
hora, mas os casais se separaram e a gente quer mudar essa situação".
A virgindade ao longo dos tempos
Na Grécia antiga, a primeira vez da mulher
acontecia com o deus Príapo. Na verdade, havia um costume de as virgens se
sentarem em um grande pênis de madeira que representava o deus, na esperança de
se tornarem mais férteis. O instrumento avantajado era, de acordo com o que é
contado, uma retaliação de Hera contra a mãe de Príapo: ela fez com que o menino
nascesse com uma deformidade. A sociedade grega clássica acreditava que as
mulheres virgens detinham poderes mágicos. Tanto que, no famoso Oráculo de
Delfos, o contato com os deuses era feito por meio da virgem Pítia.
Se na Grécia antiga era Príapo quem desvirginava as
moças, na Idade Média, os livros de história apontam que os reis e os senhores
feudais eram donos desse privilégio. Ou seja, antes do marido, outro homem
consumava o casamento. Há, inclusive, relatos de tribos primitivas em que o pai
da noiva era quem tirava a virgindade da moça. Nessa época, também,
acreditava-se que a figura mítica do unicórnio só poderia ser domada por uma
mulher virgem.
No Brasil, durante o século 19, a virgindade era um
item indispensável para que uma mulher conseguisse um marido. Tanto que, após a
primeira relação, era comum que os pais saíssem mostrando o lençol sujo de
sangue: o foco aqui não era na violência do ato, mas na prova que, se sangrou,
sua filha era, de fato, virgem.
O culto à virgindade gerou, inclusive, um reality
show nos Estados Unidos. Em The virgin diaries (Os diários dos virgens, em
tradução livre), homens e mulheres na casa dos 30 anos são acompanhados a
partir do momento em que se casam. O detalhe é que todos são virgens, alguns
até mesmo "de beijo". O assunto é recorrente na sociedade americana.
Tanto que os ídolos teens sempre causam comoção quando deixam de usar seus
anéis de castidade, algo que aconteceu com os Jonas Brothers e com a cantora
Selena Gomez. Ela, inclusive, foi mais criticada por ser católica fervorosa e
ter deixado o anel de lado quando começou a namorar o astro Justin Bieber.
Força espiritual e necessidade física
Como
qualquer pessoa, os partidários da espera também têm suas urgências sexuais e,
isso, dentro de um relacionamento, é algo difícil de controlar. "É muito
complicado esperar e quem disser o contrário estará mentindo", garante
Otávio Gomes Guimarães, psicólogo, de 27 anos, que também resolveu esperar.
Assim como outros membros da comunidade, ele segue algumas regras que ajudam a
manter o compromisso. "Não vemos filmes com teor sexual, muito menos
pornografia. Quando namoramos, tentamos não ficar sozinhos. E não nos
masturbamos porque isso aflora ainda mais a sexualidade", confessa.
A
ginecologista e sexóloga Sílvia Cavalcante, presidente da Comissão Nacional de
Sexologia da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia
(Febrasgo), garante que esperar pelo sexo não traz consequências à saúde, mas é
contra negar a masturbação. De acordo com a especialista, esse é um momento em
que o adolescente conhece o próprio corpo — o ato é extremamente importante
para que ele possa saber o que buscar em suas futuras relações. "Não posso
julgar as crenças religiosas, mas se a pessoa não se conhece bem, dificilmente
vai mostrar ao parceiro o que gosta. E para a mulher entrar muito crua no
casamento pode tornar a experiência ainda mais difícil."
Os
membros do "Eu escolhi esperar" parecem não se importar com essas
possibilidades. Só que, muitas vezes, para domar o desejo e manter o voto,
precisam tomar atitudes enérgicas. Stéphanie Vieira, 24, uma das coordenadoras
do grupo, está casada há quatro anos e meio — meses antes da cerimônia, ela e o
marido acordaram abdicar de todo e qualquer contato físico. "É sempre complicado,
pois vivemos na expectativa por esse momento. Era algo que queríamos muito, mas
só depois de casados. Por isso, tivemos que agir assim", conta. Stéphanie
diz que suportou esses momentos sem o toque do marido com muita conversa, na
qual os dois puderam falar sobre todos os assuntos relacionados ao momento
sexual. "Sexo não é um tabu. Só quisemos esperar a hora certa para nós.
Tanto que conversamos sobre sexo anal, sexo oral e eu sempre discuti esses
assuntos com a minha mãe."
Para
ela, esses papos foram decisivos para ter a certeza de que ele era o homem
certo. "Não tive nada para descobrir sobre ele depois que nos casamos. Por
não estarmos envolvidos fisicamente, pudemos pensar no casamento de forma mais
séria, considerando as coisas pelo lado racional", completa. As
descobertas ficaram apenas no campo sexual. Ela garante que o caminho para o
orgasmo foi longo e trilhado pelos dois, mas que sempre teve em mente que
poderia se abrir com o marido sobre qualquer tema.
A
psicóloga Juliana Fiuza garante que é a cumplicidade do casal que direciona a
obtenção de prazer na cama. Sejam os dois virgens ou vindos de outras
experiências, é preciso haver sinceridade mútua para que os desejos, os
fetiches e as curiosidades possam ser tratadas sem causar problemas. "Se
eles têm uma abertura para falar sobre sexo, vão buscar formas de deixar a
relação mais prazerosa." A estudante Nayane Tarão, 24 anos, afirma que não
teme a primeira vez por saber que não chegará a ela sem total intimidade com
seu futuro marido. Ela diz que o importante é não abrir mão do aprendizado que
os dois podem ter antes de decidirem se tornar um casal. "Precisamos
trabalhar juntos o que esperamos do casamento. Não há tempo certo para se
casar, mas é preciso ter certeza da decisão e ter maturidade para encará-la",
resume.
Nelson
Júnior concorda que a espera não é simples, mas aponta que a virgindade não
deve ser encarada com um fim em si mesma. "O sexo é bom e não valeria a
pena se privar disso se não fosse pelo entendimento de que nós podemos
desfrutar dele dentro de uma relação segura e protegida." Até porque,
assegura ele, relacionamentos amorosos sem envolvimento sexual também podem ser
traumáticos. Para os que decidem, todo o esforço demonstra que, de fato, o sexo
é um presente. "Cremos nisso. Se existe um direcionamento de Deus, é
porque ele quer guardar esse momento para a hora certa. Fui convencido, ao
longo do tempo, dos benefícios de se esperar", afirma Otávio.
Fonte: http://www.correiobraziliense.com.br